

Celeiro do Brasil

O Brasil está entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, sendo o maior exportador mundial de carne e o terceiro maior produtor de grãos e de leite bovino. Tais atributos conferem ao nosso país o título de “celeiro do mundo”. Em um país de proporções continentais e biomas tão diferentes, é o Cerrado o que recebe o nome de celeiro do Brasil, já que é responsável por 55% da produção de carne do país e 56% da produção de grãos, além de ocupar o segundo lugar na produção leiteira, com 28% da produção nacional.
Alguns fatores históricos também devem ser considerados para explicar a consolidação da agropecuária no país e principalmente no Cerrado. O Brasil era uma colônia de exploração e um dos primeiros ciclos coloniais foi da cana-de-açúcar. Os engenhos se encontravam nos litorais e a chegada dos primeiros rebanhos bovinos em terras brasileiras ameaçou essa produção, já que o gado invadia os canaviais. Com isso, a carta régia de 1701 proibiu a pecuária no litoral, enquanto a coroa portuguesa cedia terras no centro do território brasileiro exclusivamente para a criação de gado. Esse primeiro momento foi o responsável pela ocupação de novas terras no interior do país. Já em 1914, com o advento da 1ª guerra mundial, ocorreu a primeira exportação brasileira de carne bovina.
O incentivo agropecuário foi intenso durante o período militar, a exemplo da criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) e a consolidação dos direitos trabalhistas do trabalhador rural em 1974, além da criação da EMBRAPA em 1972. O sucesso desse projeto pode ser observado ao comparar o tamanho do rebanho bovino brasileiro em 1960, composto por 57.1 milhões de cabeças, e em 1980, 118.7 milhões de cabeças. A EMBRAPA desempenhou papel determinante na correção de solos e na importação de genética adaptada, possibilitando a plena utilização do Cerrado na agricultura e na pecuária extensiva.
A alta produtividade contraria a ideia de baixa qualidade dos solos e do clima encontrados no Cerrado. Os latossolos, caracterizados pela profundidade e boa drenagem, são os mais representativos no bioma e, apesar de serem realmente pobres em alguns dos nutrientes essenciais para a agricultura convencional, essa correção pode ser feita sem dificuldades. Outros fatores a serem considerados são o clima, que tem duas estações bem definidas e possibilita um calendário estável de safras e entressafras, e o solo, que por apresentar baixa declividade facilita a utilização de máquinas agrícolas.


Foto do ensaio O caminho do Cerrado, "Cerrado - a savana com a maior biodiversidade do planeta." disponivel em facebook.com/ocaminhodocerrado
Foto: Melissa Maurer, @melmelissamaurer, www.melissamaurer.com


Mas quais as vantagens nisso, afinal? Sabemos que o Cerrado sofre com a agropecuária e que foi essa uma das principais causas de desmatamento e perda da vegetação nativa. O censo agropecuário de 2017 do IBGE estima que mais de 70% das áreas de Cerrado sejam destinadas a estabelecimentos agropecuários, sendo que o código florestal vigente permite o desmatamento de até 80% dessas propriedades. Segundo dados obtidos pela NASA também em 2017, cerca de 7,6% do território brasileiro corresponde a área cultivada. Apesar disso, o desmatamento no Cerrado ainda é preocupante! Entre os anos de 2014 e 2017 foram desmatados 3.958.800 hectares, totalizando a perda de 3,4% da vegetação natural remanescente.
A grande contradição é que com melhores práticas de manejo e a implementação de sistemas sustentáveis como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) seria possível triplicar a produtividade sem a necessidade de ocupação de novas terras. O agronegócio já enfrenta problemas! A pecuária extensiva é responsável pela compactação do solo e, consequentemente, pela inviabilização do mesmo. O monocultivo aumenta a ocorrência de pragas, degrada o solo e causa erosões. Além disso, a devastação das áreas naturais acarreta perda de serviços ecossistêmicos importantes para a própria agricultura, como a polinização. O sistema ILPF minimiza ou acaba com esses problemas causados pela agricultura convencional, além de auxiliar na recuperação do solo e das coberturas florestais e garantir maior produtividade, estabilidade e sustentabilidade na produção.
Todo o potencial do solo, do clima e da biodiversidade do Cerrado, associado a investimentos em ciência e tecnologia, permite a utilização consciente dos recursos naturais encontrados no bioma. Maior fiscalização das leis ambientais, menos impunidade, conscientização por parte dos produtores e o conhecimento para uma utilização inteligente da terra podem ser as chaves para minimizar os danos.
O Cerrado abarca uma enorme biodiversidade! É rico em água, minério, possui uma fauna única e uma flora com potencial alimentício, medicinal, industrial... mas ele não só é rico como também produz riquezas. O agronegócio corresponde a mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas a utilização de qualquer recurso natural precisa ser consciente, o Cerrado é rico e é mais importante vivo! A exploração predatória dos recursos não pode ser uma opção, ela coloca em risco a Savana mais Biodiversa do mundo, o Berço das águas, o celeiro do Brasil e do mundo: o Cerrado.
Referências:
Marouelli, R. P. (2003). O desenvolvimento sustentável da agricultura no cerrado brasileiro. Brasília: ISAE FGV/Ecobusiness School.
Vilela, D.; Andrade, R.; & Leite, J. L. B. (2018). O leite no Cerrado: o que esperar em ganhos de produção e produtividade. Revista de Política Agrícola, 27(2), 66.
Menezes, B.; Lemos, R.; Scopel, I.; Peixinho, D.; Tommaselli, J.; & Costa, M. D. (2009). Uso e ocupação agropecuária no Cerrado brasileiro; transformações da paisagem e seus impactos ambientais no estado de Goiás. 12 Encuentro de Geógrafos de América Latina.
Balbino, L. C., et al. "Agricultura sustentável por meio da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)." Embrapa Cerrados-Artigo em periódico indexado (ALICE) (2012).

